RESUMO - O PATRIMÔNIO CULTURAL NA FORMAÇÃO INTEGRAL DO GUIA DE TURISMO

Vinicius Marcelo Silva e Marco Arlindo Amorim Melo Nery*

*IFS - E-mail: viniciusmarcelosilva@yahoo.com.br


A memória coletiva sempre está em disputa. O que lembrar? De quem lembrar? Como lembrar? Por que lembrar? São perguntas que cristalizam o embate em torno do que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido. No século XIX, por exemplo, os Estados Nacionais esforçaram-se para criar uma memória nacional no esforço de construir uma identidade nacional. É neste período que se constitui e se ampliam os espaços de memória (conceito de Pierre Nora) e os patrimônios históricos culturais. Recentemente, em função das manifestações antirracistas organizadas pelo movimento “ Black Lives Matter” em virtude da morte de George Floyd em Minneapolis nos Estados Unidos da América, provocaram uma onda de destruição de estatuais ao redor do mundo de homens que eram ligadas ao escravismo. A ação dos manifestantes demostra que a memória coletiva é sempre um campo de disputa entre aquilo que se decidiu manter preservado num determinado período da história e o que se decidiu questionar em outro da história. Nesta perspectiva, o patrimônio cultural, como um dos elementos constituintes da formação de uma memória social ou coletiva, torna-se alvo dos embates travados em torno da constituição de uma memória social oficial. O patrimônio cultural, por sua vez, seja ele material ou imaterial é uma expressão da criatividade e da capacidade humana de criar um mundo simbólico a sua volta. E independente da classe social todos os homens e mulheres criam representações sociais e culturais que os afetam e, com isso, constrói suas identidades individuais ou coletivas que os ligam a um determinado grupo ou comunidade. Do ponto de vista educacional as questões que envolvem o patrimônio cultural estão presentes em diversos curso como: história, arquitetura, direito, turismo e antropologia. No que diz respeito a esta pesquisa vamos nos dedicar a compreender as discussões a respeito dos bens culturais no Curso profissionalizante de ensino médio integrado de Guia de turismo. Para isso, buscamos nossos dados empíricos nos cursos de Guia de turismo do Campus de Marechal Deodoro do Instituto Federal de Alagoas e do Campus de Valença do Instituto Federal da Bahia. Como problema imaginamos a seguinte questão: de que forma a abordagem do conteúdo: patrimônio cultural na formação técnica de guia de turismo, no âmbito do ensino integrado, contribui para o desenvolvimento da consciência patrimonial, da capacidade crítica e da atuação ético-profissional do futuro guia de turismo em consonância com os ideais da formação omnilateral? Compreendemos a complexidade do problema proposto e que na busca do desenvolvimento da consciência patrimonial, da capacidade crítica e da atuação ético-profissional do futuro guia de turismo devemos analisar os debates realizados, dentro de uma perspectiva histórica, em torno do conteúdo patrimônio cultural. Conteúdo que é influenciado por outros elementos e filtrado pelos docentes ao chegar aos alunos do curso de Guia de turismo. Desta forma, as questões que envolvem o patrimônio cultural, acabam, por refletir a visão da instituição sobre o que é educação e o tipo de profissional a ser formado por ela. Outros aspectos são compreender como as questões do patrimônio cultural serão trabalhadas pelo profissional de Guia de turismo. Portanto, a abordagem dos conteúdos a respeito dos bens culturais devem estar voltadas a preparação dos alunos para o exercício profissional. Desta colocação surge um problema: se os conteúdos prezam a preparação do aluno para o exercício profissional, dentro do contexto capitalista, o que pode ser feito para com que este aluno não se torne mais um trabalhador alienado dentro do sistema econômico contrariando, assim, a própria proposta dos Institutos Federais de formar um cidadão omnilateral? Sendo assim, a pesquisa baseou-se num tripé que envolveu educação integral, patrimônio cultural e trabalho. E, deste tripé que estruturamos nossos objetivos na pesquisa, os quais são: compreender de que forma se dá a integração entre o conteúdo de patrimônio cultural, com a ideia de trabalho como princípio educativo e a educação integral no curso de ensino médio integrado de Guia de Turismo; analisar a relação entre o sistema capitalista no século XXI com o tripé trabalho/educação integral/patrimônio cultural e comparar o discurso sobre o Patrimônio cultural presente nos documentos, textos e falas dos especialistas com aquilo que é filtrado, do campo dos bens culturais, pelos campi de Marechal Deodoro do Instituto Federal de Alagoas e o de Valença do Instituto Federal da Bahia por meio dos seus PPC e currículos, assim como, as filtragens realizadas pelos seus docentes e apreendido pelos alunos durante a formação integrada no Ensino Médio e Técnico de Guia de Turismo. Enquanto a metodologia, utilizamos um enfoque qualitativa para o trabalho dentro de uma perspectiva histórica, com dito acima. Em termos de procedimentos técnicos optamos pela pesquisa participante, desta maneira, optamos como instrumentos de coleta de dados pelo grupo focal e pela história oral temática. A respeito do grupo focal, a qual será aplicada junto aos discentes do campi de Marechal Deodoro – AL e de Valença -BA, é uma técnica de coleta de dados que se dá por meio das interações grupais ao se discutir um tema específico sugerido pelo pesquisador. Como técnica, ocupa uma posição intermediária entre a observação participante e as entrevistas em profundidade. Já a história oral temática será realizada juntos dos professores e especialistas em patrimônio cultural tem como finalidade dar voz a estes atores num processo dialético. Junto com a pesquisa participante usaremos em conjunto a pesquisa documental composto pelas cartas patrimoniais. Um conjunto de documentos nacionais e internacionais que debatem a questão do patrimônio cultural e de sua preservação. Com isso, traçamos um caminho circular para o conteúdo acerca do patrimônio cultural, pois, os documentos são as soluções e resoluções dos problemas acerca das questões que envolvem o patrimônio cultural. O conteúdo deste documentos são apropriados pelos especialistas na área que realizam apropriações e novas ressignificações. Estas, por sua vez, são apropriadas pelos Institutos Federais que por meio dos currículos e dos seus profissionais filtram e imprimem as marcas da instituição a ele e, ao final deste processo, chega aos alunos do curso de Guia de Turismo que apreendem os conteúdos, estabelecem novos significados e serão utilizados na atividade profissional dos futuros guias de turismo. Para analisar todo material coletado utilizaremos a análise de discurso francesa a partir da perspectiva de dois dos seus teóricos: Michel Pêcheux  e Michel Foucault. Apesar das diferenças entre os dois autores nos concentramos nos elementos, das duas teorias, que se completam. O patrimônio cultural é a expressão histórica- cultural de uma sociedade, a qual lhe atribui significados e ressignificados. Por meio dele constrói sua identidade e seus laços de solidariedade, coesão e pertencimento funcionando como lugares de memória auxiliam na construção de uma memória social. É um direito fundamental de todas as pessoas de uma comunidade ou sociedade, as quais devem ter seu acesso garantidos. É, também, patrimônio turístico e nesta perspectiva relaciona-se intimamente com o curso de Guia de Turismo. O turismo cultural vem crescendo constantemente e, com isso, assistimos a mercantilização do patrimônio cultural, práxis do sistema neoliberal que mercantiliza todas as dimensões da vida,  o que lhe coloca em risco diante, em muitos casos, de atividades predatórias. Além disso, como material de uma atividade econômica, tem seu sentido esvaziado sendo reduzido a mera atração turística é deslocado para um nexo temporal fora do contexto comunitário. Dessa forma, nem comunidade e nem turistas compreendem a importância daquela bem material ou imaterial e, assim, deixa de cumprir suas funções enquanto elemento de construção da identidade coletiva, da memória social e da coesão comunitária. Nas relações capital/patrimônio cultural há ainda duas questões importantes. A primeira que diz respeito a luta pela preservação dos bens culturais postos em risco pela especulação imobiliária e o segundo pela desagregação comunitária, fruto do processo de globalização, que põem em risco a continuação de inúmeras tradições da cultura imaterial. É diante deste quadro e para se impor a ele que a formação de Guia de turismo deve estar voltada. Na perspectiva de formar um profissional capaz de ter consciência patrimonial,  capacidade crítica e atuação ético-profissional. Assim, as primeiras conclusões deste trabalho, que ainda se encontra na fase de pesquisa, verificou os seguintes pontos: apesar da proposta dos Institutos Federais em torno de uma educação integrada e na construção de um homem omnilateral, naquilo que tange a formação do Guia de turismo, ainda falta um caminho a ser percorrido. No curso de Guia de turismo, de ambas as instituições pesquisadas, há disciplinas dedicadas ao patrimônio cultural, as quais possuem uma carga horária em torno de 60 horas. Apesar, de terem disciplinas voltadas as questões que abordam o patrimônio cultural devido a profundidade e complexidade do tema torna-se insuficientes para promover a construção de uma consciência patrimonial, da capacidade crítica e da atuação ético-profissional do futuro guia de turismo em relação as questões que envolvem o patrimônio cultural. Além disso, o aluno do curso de Guia de Turismo não se enxerga enquanto agente educador. Olhando, então, por esse ângulo acreditamos que haja a necessidade de implantar outras estratégias que completem aquilo que já é trabalhado em sala de aula. Um caminho que acreditamos viável é a articulação com a educação patrimonial que pode ser ministrada como disciplina específica ou como projetos inseridos em outras disciplinas ao longo da formação do aluno. 


Palavras-chave: Patrimônio Cultural; Educação integrada; memória; identidade; trabalho


Comentários

  1. Parabéns pela discussão. Achei muito importante, principalmente no cenário histórico que estamos vivendo. Acho que alguns resultados apontam para a necessidade de um projeto de intervenção, um curso de formação em que se discutam esses temas, ou seja, algo que vá além das 60 h da disciplina.

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    1. Obrigado Chagas e com certeza há a necessidade de algum tipo de intervenção. Por isso, acredito que a implantação ou implementação da Educação Patrimonial no âmbito dos cursos de formação de guia de turismo e turismólogo pode contribuir com uma formação mais completa e que, realmente, prepare o futuro profissional da área para os desafios do século XXI.

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  2. Rafaela Paula da Silva7 de setembro de 2020 às 10:48

    Olá Vinicius,

    Eu achei sua proposta de pesquisa muito bem estruturada e fiquei curiosa sobre a origem de seu resumo, é parte de uma pesquisa mais ampla monografia, dissertação ou algo assim? Também considerei intrigante uma de suas afirmações "Além disso, o aluno do curso de Guia de Turismo não se enxerga enquanto agente educador." Por que este aluno não se vê como agente educador em relação ao patrimônio? Mesmo que tenha disciplinas sobre o tema e muitas vezes sua atuação profissional tenha relação com o patrimônio e os processos de mediação? Atenciosamente,

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    1. Obrigado Rafaela. A pesquisa é para a dissertação do mestrado em andamento. O universo pesquisado é do Curso de Ensino Médio Integrado de Guia de Turismo. Nisto, já, reside um dos problemas. Acaba tornando-se complicado para eles enxergarem a si próprios como agentes educadores a consciência sobre essa particularidade da profissão tem que ser transmitida ao longo do curso de formação pelos professores e instituição. Mesmo, quando o currículo contempla uma disciplina sobre patrimônio cultural o número de horas é insuficiente para dar conta do conteúdo. É baseado neste contexto que acredito que a implantação da educação patrimonial tanto no âmbito escolar como na prática profissional do guia de turismo pode contribuir tanto com sua formação quanto com o exercício cotidiano da sua profissão.

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