RESUMO - TECENDO A HISTÓRIA DO INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE – CAMPUS CONCÓRDIA: HISTÓRIAS DE (IN) DISCIPLINA (1965-1975)
Shyrlei Karyna Jagielski Benkendorf*
Reginaldo Leandro Plácido
*IFC - E-mail: shyrlei.benkendorf@ifc.edu.br
A história de uma instituição escolar é construída pelos seus atores (profissionais da educação, alunos, pais, comunidade, etc.), e por seus documentos (regimentos, legislações, fotos, prédios, espaços, etc.). Da mesma forma são relevantes os relacionamentos entre esses mesmos atores, que não são documentados, mas que contribuem para fortalecer características de uma determinada cultura escolar. Esses elementos possuem valor ao serem resgatados, interpretados e sistematizados, possibilitando a preservação da memória institucional e construindo sua história. O presente trabalho é um projeto de pesquisa que objetiva construir a narrativa da história institucional escolar do Instituto Federal Catarinense (IFC) Campus Concórdia, pelo olhar da (in)disciplina, tendo como recorte temporal os anos de 1965 a 1975 (período de criação e fixação da escola). A (in)disciplina, como tema de pesquisa, é um dos diversos olhares possíveis para se contar a história de uma instituição escolar. Nesta pesquisa a (in)disciplina será analisada em diferentes espaços da instituição escolar, mas de forma especial no internato, que aqui será assumido como moradia estudantil. No Instituto Federal Catarinense (IFC), Campus Concórdia, desde a sua gênese como Ginásio Agrícola, em 1965, até os dias atuais, as regras de comportamento e convivência estabelecidas entre alunos, professores, e demais profissionais da instituição facultaram situações de transgressão e conflito. O interesse em conhecer essas transgressões, sobretudo fora do ambiente formal da sala de aula, dos alunos em moradia escolar, contribui para uma construção histórica do Federal Catarinense Campus Concórdia. Escolas agrícolas, por possuírem características particulares na sua constituição, tem na moradia estudantil uma obrigatoriedade não por força de lei, mas por uma necessidade de manutenção e assistência estudantil, pois como os estudantes são oriundos de diferentes regiões necessitam deste espaço. A distância das áreas urbanas também é uma realidade que condicionou a necessidade de se morar na escola. Nas escolas agrícolas, assim como em outras instituições escolares, a indisciplina se manifesta por conta de inúmeras situações cotidianas, mas é no espaço da moradia estudantil, onde o estudante está ao mesmo tempo dentro e fora do contexto escolar, que as histórias de indisciplina ganham contornos que chamam a atenção nesta pesquisa. Pois essa condição proporciona um grande período de convivência entre os estudantes e profissionais da educação, e possibilitam uma visão peculiar sobre as relações entre os atores da instituição. A convivência em tempo integral, nas atividades de estudo, dentro e fora da sala de aula, nos momentos de lazer e nas responsabilidades diárias com a moradia e com questões pessoais, possibilitam o surgimento de tensões que acabam extrapolando as regras estabelecidas. Dessas relações, sob regras e normas, é comum o surgimento de conflitos, resultando em registros indisciplinares que passam a fazer parte do dossiê escolar do estudante. Tais registros poderiam estar fadados a serem meros documentos que ficam armazenados sob a guarda do arquivo permanente, mas, dependendo do olhar de quem os manipula, podem refletir novas histórias da escola. Além disso, considera-se que a percepção dos ex-alunos que passaram pela instituição e estiveram submetidos às regras vigentes à época, contribuam para o entendimento das atitudes comportamentais registradas. Destaca-se que em uma avaliação inicial no arquivo da escola, verificou-se a inexistência de grande parte dos registros documentais do período de interesse, por isso serão entrevistados também servidores que trabalharam na escola no período determinado, bem como ex-alunos. Resgatar a história que não está relatada, mas que consta nos documentos oficiais é uma forma contribuir para a preservação da memória da Instituição. A história pode ser compreendida por diversos elementos, pela memória dos que viveram determinada época ou situação, por fotos, por objetos, pela arquitetura, pela cultura de determinada comunidade, entre outras possibilidades. E todos esses elementos podem ser considerados no processo de identificação do panorama da escola, que é o foco da pesquisa. O referencial teórico, que abordará a cultura escolar, memória e indisciplina será fundamentado por Roger Chartier, Michel de Certeau, Peter Burke e Michel Foucault. Os conceitos de disciplina e indisciplina são diversos e mutáveis ao longo da história, sofrendo influências sociais, culturais e mesmo valores individuais. Portanto, é necessário contextualizar o período que se está pesquisando, refletindo sobre diversos aspectos, de modo a compreender de que forma a indisciplina é entendida no contexto educacional, no IFC Campus Concórdia, tendo por base o regulamento de conduta discente, que anuncia as regras vigentes Foucault (2008) é uma fonte importante ao se tratar de disciplina e indisciplina, por ter estudado diligentemente essa questão. O autor afirma que várias instituições sociais seguem regras que visam um comportamento orientado por normas e regras, por quem os frequenta, e cita como exemplo hospitais, exércitos, prisões e escolas. O autor complementa que ao longo da história diversas técnicas foram, e ainda são, utilizadas para realizar a “distribuição dos indivíduos no espaço” (2008, p.121). E que uma delas é o uso da cerca, representando “[...] a especificação de um local heterogêneo a todos os outros e fechado em si mesmo” (2008, p.122). Um exemplo desse isolamento são os colégios: “[...] o modelo de convento se impõe pouco a pouco; o internato aparece como o regime de educação senão o mais frequente, pelo menos o mais perfeito [...]” (FOUCAULT, 2008, p.122). O espaço da disciplina é delimitado, fechado. O tempo é cronometrado, fiscalizado. As rotinas são fiscalizadas e vigiadas. A moradia estudantil ainda hoje é um meio em que se observam essas características, de espaços delimitados, de atos regrados, com atividades bem definidas e até cronometradas (horários das aulas, horários das atividades extraclasses, horários das refeições, horários das atividades no setor, horário do recolhimento nos quartos). Outros exemplos podem ser elencados, como o uso de uniforme, aparência (como corte de cabelo), filas, horários, notas, atrasos entre outros, que servem para evidenciar as regras e formas de controle que existem nas escolas. E em uma escola com regime de internado isso fica mais cristalino. Na descrição de Foucault (2008, p. 118) “[...] o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. De forma que as regras, normas e regulamentos da escola, servem para exercer esse controle sobre os alunos, praticados pelos funcionários, das mais diversas funções, influenciando e regulando as atividades diárias dos internos. A indisciplina pode ser considerada uma tática utilizada para esquivar-se das regras, e mostra sob o prisma de Foucault, uma forma de exercer poder, e não apenas de ser sua vítima. Nem sempre é realmente indisciplina o que se pratica, mas uma forma de adequar-se, um mecanismo de sobrevivência, uma reação a um fato inesperado. De fato, por esse olhar, é questionável o que realmente é indisciplina. Pois, do modo como normalmente se concebe um ato indisciplinar, parece que não haveriam outras formas de se comportar, se alinhar, se adequar ao ambiente escolar, sem seguir uma regra, uma conduta normalizadora institucionalizada. Pensando que outras possibilidades existem para justificar atos que foram e ainda são realizados, é interessante refletir na questão que Foucault afirma sobre a microfísica do poder, inferindo que os indivíduos, nas suas mais diversas relações, e a escola é um espaço de relação de poder, estão em posição tanto de exercer o poder ou de sofrer a sua ação, pois eles “[...] nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão” (FOUCAULT, 1998, p. 183). Entende-se, portanto, que para falar de indisciplina, é necessário aclarar o que se considera disciplina, pensando nas “cadeias” de poder, usando a expressão de Foucault, e compreendendo o uso de táticas, de Certeau, como forma de enfrentamento de situações originárias do convívio em uma escola de regime de internato. Para realizar o estudo proposto, se buscará fundamentação em documentos existentes no arquivo permanente do IFC Campus Concórdia, regimentos, fotos, além de objetos que serão “garimpados”, de modo a compor a história da instituição no período definido, analisados de acordo com a perspectiva da história cultural, considerando elementos da cultura escolar. Arquivos históricos, museus do município de Concórdia (SC) e da região, assim como acervos pessoais, também serão fontes pesquisadas para realizar o levantamento dos dados. Em uma etapa posterior, serão realizadas entrevistas semiestruturadas com ex-alunos dos cursos técnicos e ex-servidores contemporâneos ao tempo delimitado da pesquisa, pois com suas falas sistematizadas será possível compor um cenário histórico, tendo a (in)disciplina como fio condutor, levando-se em consideração a característica do internato, e do regime militar, contexto político que vigorava à época, além da revolução verde, que contribuiu para a expansão das escolas agrícolas no país. A pesquisa, do ponto de vista metodológico, é de abordagem qualitativa e utiliza-se da meso-análise para o estudo da instituição escolar. Parte-se de uma contextualização macro das políticas nacionais da EPT, da concepção da criação das escolas agrícolas, reproduzindo um modelo de escola padronizada no País, atreladas à Revolução Verde e ao regime político militar, e à ditadura militar a partir de 1968, e aos acordos MEC-USAID (United States Agency for International Development.). No aspecto micro, trabalha-se com o internato e que é característica histórica da criação da escola. Chega-se então a meso-abordagem. Com o objetivo de se contar a história da instituição a partir da (in)disciplina, questiona-se de que forma os atos indisciplinares cometidos pelos alunos, corroboram, ou não, com o modelo de escola agrícola, concebido no período em questão. A abordagem meso será fundamentada em Nóvoa (1999); Magalhães (2004, 2007) e Lima (1992). Para a avaliação documental se fará uso da análise de conteúdo. E para a interpretação das entrevistas, pretende-se trabalhar com a análise de discurso. Com categorias que serão formatas após as entrevistas e demais dados serem levantados. Como resultado, será identificada e construída a história da instituição pesquisada, no período proposto, possibilitando uma visão até então desconhecida e não registrada formalmente. Como consequência, espera-se contribuir para um melhor entendimento a respeito do ensino nas áreas técnica e tecnológica. Após realizar a pesquisa e construir a narrativa da história do IFC campus Concórdia entre 1965 e 1975, com foco na indisciplina, pretende-se desenvolver como produto educacional um Museu Virtual da (In)disciplina, com o intuito de contribuir para a história e memória da instituição, retratando um aspecto que até então não havia sido contado. Tal retrato se dará por meio do resgate informacional que será realizado, e que servirá para os alunos compreenderem que cultura permeia a escola atualmente. Além disso, proporcionará uma reflexão por parte dos docentes e discentes, a respeito da (in)disciplina escolar contextualizando aspectos políticos e sociais, abordados na pesquisa. Inferindo sobre a importância do resgate histórico por meio dos sujeitos que vivenciaram os fatos, que participaram da tecitura da história que se pretende desvelar, ou mesmo, construir. Consoante com o pensamento de Ciavatta (2005), de que é imprescindível que os sujeitos conheçam e entendam a sua história, reconstituindo e preservando a memória, reconhecendo-se como sujeitos que possuem uma história e identidade própria, que deve ser respeitada em qualquer processo de mudança. Assim busca-se alcançar o objetivo de construir, ou desvelar a história do IFC, no período relatado, focando na (in)disciplina, em regime de internato, no período de regime militar; procurando contribuir para a história da educação profissional e tecnológica como um todo, e em particular na escola pesquisada. Pensando que a história pode ser escrita e contada por qualquer um dos lados de quem a viveu, e conhecida por todos.
Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica; História; Cultura Escolar; Indisciplina Escolar; Escolas Agrícolas; Internato.
Olá, Shirley e Reginaldo,
ResponderExcluirFiquei muito curiosa com a pesquisa de vocês; sou apaixonada pela metodologia da História Oral, a qual utilizei no trabalho relativo à pós-graduação em educação do IFRS e adorei a questão da pesquisa envolvendo uma escola agrícola. Gostaria de saber mais detalhes: a pesquisa é relativa ao mestrado profissional ou ao doutorado? Também achei muito didática a forma como apresentaram o resumo, consegui compreender bem a proposta do trabalho. Parabéns pela pesquisa que, com certeza, contribuirá para o estudo da história da educação profissional!
Luciana de S. Mazur
Olá Luciana, tudo bem?
ResponderExcluirFico feliz pelo seu interesse! A pesquisa é relativa ao mestrado profissional. Acabei de passar pela qualificação, e começarei a pesquisa em campo. De fato é um trabalho que tem me proporcionado muitas descobertas e instigado meus estudos. Obrigada pelo seu gentil comentário!
Shyrlei Benkendorf